Há espaço para o desenvolvimento econômico na política municipal?

Muitos dos estudos sobre desenvolvimento econômico de cunho heterodoxo têm se concentrado no papel do governo federal de promover a modernização produtiva.

Em suma, o desenvolvimentismo aborda a ação do Estado na indução da atividade industrial, em parceria com o setor privado. O paradigma requer planejamento estratégico e articulações pontuais direcionadas para a promoção e integração da estrutura produtiva nacional, focando em setores específicos.

Entretanto, o Brasil é um país muito grande e dominado por pequenas e médias empresas (PMEs), o que torna o esforço de mapeamento e formação de estratégia muito difícil para uma instituição única (governo federal).

Cláudio – MG, um dos maiores polos de fundidos artesanais da América Latina.

Este cenário é diferente quando analisamos a trajetória dos países do leste asiático, como Coreia do Sul, Japão e China, que se desenvolveram com base na articulação direta entre Estado e grandes conglomerados.

Consequentemente, levando em conta esta e outras especificidades que somente o Brasil tem, faz-se necessário adaptar nosso próprio modelo desenvolvimentista. Para isso, é fundamental o papel dos demais níveis de governo, no caso o estadual e, principalmente, o municipal.

O debate desenvolvimentista no Brasil é amplo, e perpassa vários pontos. Este texto, em particular, tem como intuito explorar a questão da política municipal e suas possibilidades no desenvolvimento econômico local.

A pertinência deste tema se deve principalmente pela proximidade com as eleições municipais, cuja intenção é promover o debate entre candidatos e eleitores sobre o papel das prefeituras na formulação de estratégias de desenvolvimento.

A importância do governo municipal no planejamento estratégico local

Focalizar o desenvolvimento econômico local significa desenvolver condições para uma integração entre potencialidades locais e os circuitos econômicos regionais e nacionais.

Desenvolvimento Econômico, pensado no âmbito local, é um processo de articulação social que visa a inserção de todos os segmentos sociais em novas dinâmicas econômicas, políticas e culturais.

Neste sentido, podemos definir algumas características básicas que configuram um processo de desenvolvimento econômico, a saber:

1) a inserção de todos os segmentos sociais a novas dinâmicas econômicas e políticas-culturais;

2) a geração e consolidação das iniciativas empreendedoras locais;

3) a harmonização e regulação das relações comunidade e empresa em seu contexto socioambiental;

4) a construção da sustentabilidade econômica das atividades locais;

5) o desenvolvimento de um ambiente inovador e gerador de oportunidades.

As primeiras experiências de desenvolvimento econômico local têm como seu centro articulador a emergência de novas modalidades de financiamento e apoio para o desenvolvimento dos pequenos empreendimentos e das experiências de produção comunitária.

Este é um processo que vem se caracterizando por mudanças nos padrões culturais dos grupos envolvidos, presença de instituições flexíveis de financiamento e capacitação, vontade política de alguns governos, integração entre os agentes públicos e privados, e inovações nas formas de gestão e organização dos empreendimentos.

O principal ator que vem impulsionando esse processo ainda é o setor público, notadamente as prefeituras municipais. Obviamente que estas vêm contando com o apoio de federações empresariais, fundações privadas de pesquisa e capacitação, associações empresariais de âmbito local e regional, etc.

Frentes de avanço na formulação de políticas locais de desenvolvimento econômico

De forma mais objetiva, é possível elencarmos três frentes cujas quais os órgãos municipais podem avançar no sentido de formatar políticas de desenvolvimento econômico para a promoção de atividades locais.

1) A primeira modalidade de experiência de desenvolvimento econômico local representa formas de atuação mais tradicionais na área urbanística ou política administrativa, realizada através da modernização da infraestrutura local, a criação de distritos industriais dotados de centros de comunicação, a criação de incentivos fiscais, e a articulação administrativa e financeira entre prefeituras de uma mesma região com o objetivo de criar uma infraestrutura comum para investimentos industriais.

Esse fenômeno esteve presente principalmente no sul de Minas, sul de Goiás, interior de São Paulo, norte do Paraná, e no sul de Mato Grosso do Sul; regiões onde o poder local procurou aproveitar as condições da infraestrutura de transportes e comunicações para capturar investimentos no quadro de integração econômica propiciado pelo Mercosul.

2) A segunda modalidade são aquelas experiências que vêm ancoradas em programas de geração de trabalho e renda, principalmente os que trabalham formas alternativas de financiamento.

Um exemplo desta modalidade é a reorganização de linhas de financiamento e apoio de políticas tradicionais destinadas a pequenos agricultores e empreendedores – como é exemplo o Projeto Produzir no Estado da Bahia – que estimulam o público-alvo a gerir os créditos liberados através de conselhos comunitários e pequenas cooperativas.

As experiências mais significativas dentro desta segunda modalidade são aquelas que têm surgido no rastro dos denominados ”bancos sociais”, que são instituições de financiamento e capacitação que realizam empréstimos a pequenos empreendedores e cooperativas a juros abaixo dos cobrados pelo mercado, sem necessidade de garantias formais.

Normalmente estas instituições adotam o denominado aval solidário, constituído por pequenos grupos que se responsabilizam coletivamente pelos créditos.

Nessa vertente existem as instituições que visam exclusivamente o fornecimento do crédito, como a Instituição Comunitária de Crédito Portosol em Porto Alegre, e as de crédito e capacitação, que acompanham a elaboração da proposta, capacitam o tomador de empréstimo, oferece cursos de gerenciamento, atuam na reciclagem da mão-de-obra, etc.

Outro exemplo é a experiência exitosa em Quixadá-CE, onde foi montado o programa de Geração de Emprego e Renda, fruto de parceria entre a Prefeitura Municipal, o Banco do Nordeste, o Sistema Nacional de Emprego (SINE), a Secretaria de Trabalho e Ação Social do Estado e o Banco do Estado do Ceará. O resultado foi a redução substancial do desemprego no município, elevação da renda e estímulo empreendedor na economia local.

Quixadá – CE

Estes modelos têm sido preponderantes na experiência brasileira, e tem gerado experiências significativas, articulando linhas de geração de emprego e renda e capacitação num mesmo programa.

3) Uma terceira modalidade são experiências de constituição de redes de desenvolvimento econômico local e que não tem necessariamente a prefeitura como agente promotor de desenvolvimento.

Esta modalidade se distingue da segunda por definir um campo de ação mais amplo do que uma política setorial de geração de trabalho e renda. Seu foco está na integração e articulação local de atores econômicos e sociais, não se restringindo a uma política setorial ou ao desenvolvimento de um instrumento de intermediação financeira sem trabalhar os circuitos produtivos e suas demandas reais.

O eixo articulador desta integração de atores locais de desenvolvimento econômico pode ter seu foco na capacitação, cuja a experiência mais significativa é a do Projeto BNB/PNUD que tem o Nordeste como área de atuação.

Também pode apresentar formatos se enquadram em experiências de planejamento estratégico para o desenvolvimento local, que foi implementado em regiões e municípios do semiárido nordestino, como por exemplo o município de Santa Quitéria-CE, que elaborou seu plano estratégico em convênio com o SEBRAE, através da metodologia de autodiagnostico para identificar as potencialidades locais, e criou Comitês Executivos Setoriais.

Santa Quitéria – CE

No geral, compreende-se que o desenvolvimento local pode avançar através da escolha de cada uma destas três frentes, ou de todas em conjunto. A escolha do modelo vai depender da estratégia de cada administração.

Entretanto, os principais limites que se interpõem ao pleno desenvolvimento desse processo relacionam-se não só aos limites financeiros das pequenas prefeituras, mas também à ausência de padrões de gestão eficientes, à pouca credibilidade social de muitas das Prefeituras, ao desconhecimento de experiências alternativas de produção e tecnologias de baixo custo e ao isolamento em relação aos centros de pesquisa e capacitação de pequenos empreendimentos.

Por outro lado, não se pode deixar de considerar a ausência de uma cultura empreendedora, principalmente em regiões onde ela se faz mais necessária. Entre outros fatores, esse perfil cultural também expressa o predomínio de práticas assistencialistas, gerando imobilismo social e inflexibilidade frente às propostas de caráter inovador.

Referências bibliográficas

MALDONADO, A. PROYECTO CEPAL/GTZ Desarrollo Económico Local y Descentralización de la División del Desarrollo Económco. Comisión Económica para América Latina y el Caribe, v. 77, 2000.

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